Maldição do dom da visão
Assola o humilde ingénuo
Num mundo de fealdade
Céus rodopiam em louco escarlate
Luzes intermitentes rasgam a abobada celeste
Pedra sólida desfaz-se como migalhas de pão
E levita na electricidade trágica do ar
Perante tal abominação a boca abre-se
Aberta como uma porta escancarada
Apenas a escuridão do céu da boca
Abafa as labaredas que se contorcem mesmo à sua frente
As cordas vocais estrangulam-se igualmente em terror como cobras hipnotizadas
Os olhos gritam o que a boca não consegue
Tapando-os de imediato com mãos transparente
Mãos transparente de tão aguçada percepção
"Maldito dom da visão!", desembaraça-se ele finalmente
Outros
Cegos e contentes
Com um sorriso insano
Deambulam para trás e diante
Abençoados com a dom da ignorância
Desconhecem o mundo que lhes passa à frente dos olhos
Olhos esbranquiçados e opacos
Mantêm tanta vigília como vasos de porcelana
Desperdiçam uma vida assim
Mas que lhes importa?
Não sentem falta do que não podem ver
Então continuam eles
Cegos e contentes
Até que são sugados pelo mesmo surreal
Que me assombra cada dia
Mas eu sei o que me atormenta
Eles nunca saberão para onde vão