Tuesday, February 22, 2022

Compulsão à Repetição

Sempre fui, sempre estive
Limítrofe da realidade e desejo
Onde esses dois reinos se beijavam
Era eu testemunha de imprudente paixão
Em mim reverberava a história repetida
Desencontros, traições, amores de guerra
Séculos de tradições de narcisismo falhado
Sem nunca declarar imposto
Das terras roubadas, delegadas a ninguém
Renuncio à herança de absolutos e vazios 
Viver em fronteiras entre mim e o outro
Desmascarar os sábios e os reis
Não eram eles dignos da honra e da coroa
Sem divindades nem soberanos
Caíram todos antes de mim
Devorados por demónios 
De suas próprias entranhas
Com Roma em chamas ante mim
Abdico do mito e glória de outrora
Entro nesse pesar de meu próprio pé
Desapareço pela noite oclusa
Embalado no medo de ser sucedido
Onde todos os olhos têm dentes
Onde todos os reinos se dissolvem
Sem saber se verei a clareia de lua nova
Sem saber se ofereço sanidade a troco de nada

Tuesday, February 15, 2022

Quarto Escuro

Há um lugar dentro de mim
Descer as escadas, ao fundo do corredor
À direita, continuar até se perder de vista
Encontra-se uma fechadura, só eu tenho a chave
Lá dentro, está um quarto escuro
Assombrado por todos os medos, todas as dores
Das mais brandas, até às que todos sentem antes de morrer

Tenho de lá entrar
Mas tenho medo
Tenho medo do pavor que possa lá encontrar
Aquelas dores fantasmas
De todos os membros arrancados

Quero trazer alguém comigo
Para não ter tanto medo da solidão
Perder-me nos labirintos da escuridão
Sequestrado por sombras indiferenciadas
Esquecer-me
De ti
De mim
De que existe um mim sem ti
De que existe um eu dentro de ti
Esquecer-me de um eu, para mim 

Mas já não estás aqui
Nem lá fora
À espera de mim 

Podias entrar comigo
Não... não precisas de entrar...
Já entraste antes de mim

És tu a razão
Por estar hesitante
Não querer entrar
Não querer encontrar
A ausência espectral
De teu corpo arrancado de mim