Wednesday, August 8, 2007

Nada te pertence



Nada do que aqui está é teu
E a ti não te pertence

Estas paredes ouviram e viram
Aquele que aqui residiu
Forasteiro que reclamava este quarto
Monólogos longos, discursos de uma sanidade em declínio
Delírios satíricos, balbuciando devaneios que morriam ali
Estas portas escutavam e espiavam
Pelo buraco da fechadura estreita
Presença invisível que secretamente tudo noticiava
Sombras nocturnas, ocultavam olhos negros de alguém que ali estava ausente
Brisas flutuantes, uivavam gritos gélidos como se alguém ali estivesse presente
Estas janelas sussurravam e espreitavam
Sobre aquele solitário que ali vivia
Arvores camufladas na escuridão da noite
Criaturas enraizadas, retorcendo-se com o vento dos séculos
Cruzes impertinentes, imóveis perante a tempestade de sentimentos

Aquele quarto, decadente como a alma do temporário habitante
Era um pesadelo de que não poderia acordar
Chamas negras trepavam acima pelas paredes pálidas
Como se uma pintura surreal fosse, de um mundo não real
Mas de que um mundo real fazia parte, naquela mente demente
Fotografias de caras que agora eram desconhecidas
Baralhos de cartas que aguardavam um destino qualquer
Livros envelhecidos pelo tempo que nenhuma data assinalavam
Moveis recheados de lembranças que a memória já não tinha recordação
Estantes cobertas de cassetes vazias que as fitas já não tinham gravação

Nesta cela do qual este estava liberto
Mas para sempre aprisionado
Estava um passado desconhecido
Jazia incógnita a identidade
Amnésico sem nada saber, nem nada possuir
As areias do tempo de longe foram dissipadas
Para nunca mais voltarem
E todos os pertences, a outro pertenciam e não a ele
Pois a ele foi tudo dado, mas tudo perdeu
Tudo o que ficou foi a duvida da existência
Tão leve como o ar, tão vazio como as cinzas

2 comments:

  1. Será que esse forasteiro ainda permanece,ou, por outro lado, se conseguiu soltar das amarras' ?

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    1. O quarto é uma metáfora para o corpo. Quem sofre de despersonalização entende o que é sentir o corpo como algo estranho a ele mesmo, algo que não lhe pertence mas que sem isso, ele não é ninguém pois é o que o prende a esta existência. Para o melhor do meu conhecimento.... Nenhum espírito pode sobreviver sem corpo. Será que o espírito escolhe o corpo que tem? Eu digo que não.

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