Saturday, April 2, 2022

Todos os Não-Ditos e Interditos

Se as palavras jorram de ti
Com uma clareza absoluta, louca
De pureza visceral
As minhas jogam às escondidas
Vejo-as aflitas a fugir nas esquinas
Levando ao colo memórias
Que não querem ser tingidas por desgosto

Sempre fora a noite nossa conciliadora
As mais turbulentas tempestades deflagravam
E nós fingíamos que era só lá fora
Os trovões fragmentavam os céus
E na intermitência ficávamos soterrados no silêncio
Quando as línguas de fogo já haviam há muito
Sido engolidas pela cera das velas chamuscadas
Contemplávamos um ao outro
Com as pontas dos dedos
Como torrentes de lava
Que humedeciam
As colinas, as planícies, os vales
E a terra solta à flor da pele replicava
Tremores vulcânicos iminentes a se soltar
Num choque elétrico que inundava
Os corpos suplicantes de endorfinas

Destilei tua caligrafia várias vezes
Purificando a solução, para compreender melhor
A forma de negar o que disseste
Ver outra coisa que não aquela que quiseste
Não aquilo que eu efetivamente senti

As linhas de tua carta são como um gume fino
De um cutelo trepidante sobre nós
Mas que cai cruel com a ponta romba
Mói, esmaga, destrói mas não corta
Este nó que nos une
Entalado à vontade de continuar
O que nos dilacera
Só para apaziguar esta fome de macia concretude
Que abafa a voz rouca do vazio

Descolam-se vestígios do aroma
Solto por teus cabelos ao pincelarem o papel
Com todos os não-ditos e interditos

No comments:

Post a Comment